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domingo, 30 de janeiro de 2011

Negócios Sociais e Investidores


Em que fase estão os negócios sociais no Brasil? Qual o perfil de investidores interessados nesses negócios? E qual o perfil de investidor que os negócios sociais realmente precisam neste momento? Embora existam cada vez mais investidores interessados nos negócios sociais, não existem tantas oportunidades concretas de investimento.

Este campo ainda precisa de investidores interessados em fomentar os negócios sociais no país. A busca é por investidores visionários interessados em co-criar organizações capazes de gerar alto impacto social com possibilidades de retorno financeiro. A atração de investidores interessados fundamentalmente no retorno financeiro pode criar problemas em modelos de negócios pouco maduros.

Acredito que uma das mudanças que os negócios sociais podem trazer para os negócios é a transformação das relações de poder entre os públicos de interesse. Se os negócios sociais são criados para servir as pessoas de baixa renda, não deveríamos inverter as relações de poder? As necessidades dessas pessoas tornam-se oportunidades para a criação de organizações capazes de atende-las que por sua vez são oportunidades para investidores. Parece óbvio, mas na maioria das vezes as relações não ocorrem dessa forma. Se os investidores direcionarem os modelos de negócios e esses impuserem uma lógica sobre a comunidade, o impacto social poderá até ocorrer em alguns casos, mas estará sempre em segundo plano.

Considero que o início dos negócios sociais no Brasil se deu em 2006/2007 com modelos de organizações que se posicionaram com mais clareza como uma organização híbrida. Pelo que tenho vivenciado, participando de alguns negócios sociais e conversando com outros empreendedores, acredito que em mais dois ou três anos teremos organizações mais maduras capazes de envolver investimentos maiores com retorno financeiro mais concreto (seja para pagar os investidores ou para reinvestir no negócio e nas comunidades).

A Vox Capital, o Instituto Ventura e a Sitawi criaram três tipos de financiamento diferentes para negócios sociais e estão evoluindo com o desenvolvimento do campo no Brasil. As três organizações trabalham com modelos de investimento que integram retorno financeiro. A única organização que investia sem necessidade de retorno financeiro no Brasil era a Artemisia que agora não realiza mais esses investimentos.

Se existem financiamentos não reembolsáveis para pequenas empresas de tecnologia, por que não oferecer esse tipo de financiamento para negócios sociais? Mesmo em países onde os negócios sociais já estão mais desenvolvidos existem fundos de fomento, como a Fundação Bill e Melida Gates, a Fundação Shell entre outras. Na Inglaterra, por exemplo, o governo tem fundos de investimento não reembolsáveis para negócios sociais, pois esses negócios geram externalidades positivas para a sociedade. Faltam fundações privadas e governamentais interessadas em fomentar o campo de negócios sociais no Brasil, isso poderá levar o campo para um novo patamar. Essas fundações criariam um ‘pipeline’ para a Vox Capital, o Instituto Ventura, a Sitawi, para novos fundos a serem criados e investidores independentes. 

domingo, 23 de janeiro de 2011

Valor Compartilhado: moda empresarial ou mudança profunda no propósito das empresas?


O mundo empresarial está começando a olhar com mais seriedade para os negócios sociais. Depois dos trabalhos pioneiros do Stuart Hart até o Michael Porter está escrevendo sobre valor compartilhado (artigo da Harvard Business Review - http://www.hbrbr.com.br/index.php?codid=368 ). No entanto, a forma de conceituar esta nova onda de inovação ainda conserva alguns vícios empresariais.

A relevância de criar conceitos e publicar artigos em revistas reconhecidas no meio empresarial é indiscutível. Contudo é fundamental que esses novos conceitos sejam fruto de um novo modelo mental e de uma intenção genuína de compartilhar valor com a sociedade. Se o compartilhamento de valor for apenas uma estratégia e não fizer parte do propósito das organizações, não alcançaremos uma transformação profunda e necessária.

Os negócios sociais têm como estratégia e propósito a geração de valor compartilhado. Eles buscam construir junto e redistribuir este valor na cadeia. Ao adotar apenas a estratégia de construir junto, mas continuar oferecendo as maiores fatias da geração de valor para os investidores e/ou executivos das organizações, não alteraremos os níveis de desigualdade atuais.

A discussão sobre distribuir ou não os lucros neste contexto é menos relevante. A principal questão é: qual o propósito do negócio? E como o valor gerado será distribuído entre os públicos de interesse da organização? Se o propósito da organização é reduzir a pobreza e a intenção é fazer uma distribuição de valor que reduza a desigualdade, é bastante estranho que os negócios sociais mantenham o mesmo modelo de distribuição de lucros exclusivamente para os investidores como os negócios tradicionais. As necessidades da sociedade devem guiar este processo e estas escolhas e não o modelo antigo de fazer negócios ou o fato de investidores tentarem aumentar a sua fatia, exigindo cada vez retornos mais altos. Os investidores precisam ser incluídos na organização e estarem alinhados ao propósito do negócio para não ocorrerem conflitos de interesse.

Estamos criando um novo modelo e por isso não existem respostas certas e erradas, mas é fundamental que o propósito e os princípios estejam claros para que os negócios sociais não sejam apenas negócios com estratégias inovadoras de geração de valor compartilhado e deixem de lado a intenção de redistribuir essa geração de valor visando a redução da pobreza e da desigualdade social.

domingo, 16 de janeiro de 2011

O Valor da Pesquisa para os Negócios Sociais


Como empreendedor fui sempre um pouco cético sobre o valor que pesquisas acadêmicas poderiam gerar para os negócios sociais, que são um fenômeno tão recente. No entanto, quando constatei que as políticas públicas e esses modelos de negócios não interagiam comecei a buscar pesquisas sobre negócios sociais que ajudassem a demonstrar o impacto desses negócios no desenvolvimento socio-econômico. Infelizmente, ainda existem poucos estudos científicos sobre o assunto, apenas as micro-finanças são uma exceção.

No caso das micro-finanças, que no meu ponto de vista, podem ser considerados modelos de negócio social na indústria bancaria, existem pesquisas pois as instituições micro-financeiras vêm sendo implementadas a mais de 30 anos. Mais recentemente, houveram discussões profundas sobre o impacto delas na redução da pobreza. Para quem quiser acompanhar os últimos debates, recomendo baixar este arquivo da Grameen Foundation (clique aqui). Neste artigo são apresentadas várias pesquisas, inclusive algumas de 2010 com teste de controle randômico que colocam em questão o grande impacto das micro-finanças.

Essas pesquisas ajudam a verificar o real impacto dos negócios sociais no desenvolvimento e começam a dar subsídios para uma classificação dos negócios sociais em relação ao impacto social gerado. Embora no caso do Brasil, a principal preocupação ainda deva ser a viabilidade financeira, já que a maioria dos modelos de negócios ainda não se mostraram viáveis. No limite, todas os negócios geram valor social e, portanto, mensurar e avaliar esse impacto é fundamental para dar credibilidade aos negócios sociais. Para serem classificados como tal, eles devem demonstrar que geram um impacto social maior que negócios convencionais.

Uma iniciativa que teria muito valor seria criar um núcleo de mensuração de impacto social para negócios sociais. Nas microfinanças já existem metodologias de ‘social performance measurement’ bem desenvolvidas, como pode ser verificado no site da Imp-Act - http://www2.ids.ac.uk/impact/. Para que essa iniciativa adquira reconhecimento ela precisa contar com rigor acadêmico e pessoas da área de negócios sociais que tornem as metodologias de pesquisa rigorosas e práticas, para não incorrer em mais atribuições para os negócios sociais.

Tenho conversado com pessoas da academia sobre este assunto para fomentar a criação desse centro de pesquisa. Isso pode não só ajudar os negócios sociais a identificarem seus pontos fortes e suas fraquezas, mas também dar subsídios para investidores ou mesmo formuladores de políticas públicas. O espectro de negócios sociais é bastante amplo, portanto é fundamental diferenciar os níveis de impacto desses negócios. Nas microfinanças essa diferenciação já está ocorrendo, pois algumas iniciativas têm demonstrado impacto relevante na redução da pobreza, enquanto outras se limitam a incluir pessoas no sistema financeiro. Os dois tipos de empreendimentos são relevantes, mas obviamente, o primeiro exige um foco muito maior em atividades de impacto social e costuma levar mais tempo para apresentar resultados. Já o segundo é muito mais rápido em ganho de escala, mas seu impacto na redução da pobreza é pouco expressivo.

Um fato que pode ajudar na evolução das pesquisas em negócios sociais é o lançamento do site NextBillion no Brasil amanhã, 17 de janeiro. Este site traz notícias, artigos e comentários sobre como os negócios sociais podem contribuir no desenvolvimento. Essa iniciativa se for bem utilizada permitirá que o Brasil comece a produzir conteúdo a partir das experiências vivenciadas no país e poderá intercambiar ideias com negócios em outros países, principalmente da América Latina, África e Ásia.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Exuberância irracional nos negócios sociais?


Quatro anos atrás lembro de estar numa reunião com a Leila Novak do Instituto Papel Solidário e com o Pablo Handl do The Hub. Estavamos discutindo como poderíamos fazer um contrato social de um negócio social no Brasil, já que não tínhamos referências ainda no país.

Nesses quatro anos o campo vem crescendo e ganhando reconhecimento com um trabalho grande de apoio e disseminação do conceito pela Artemisia e outros apoiadores desse setor no país. Embora acredite profundamente no potencial desses novos negócios na redução da pobreza e na melhoria da qualidade de vida das pessoas, não acredito em uma única solução para os problemas que temos no mundo. E tenho visto muitas vezes os negócios sociais sendo citados como 'a' solução, principalmente por pessoas que estão distantes do dia-a-dia da gestão de um negócio que interage diretamente com a pobreza e das comunidades impactadas pelos negócios.

Os negócios sociais têm demonstrado resultados promovendo a geração de renda e oportunidades para pessoas excluídas. Alguns exemplos são: a Solidarium comercializando produtos artesanais para grandes varejistas, a Gastromotiva capacitando jovens de baixa renda para empreenderem negócios gastronômicos, o Banco Pérola realizando empréstimos para jovens empreendedores em comunidades de baixa renda, a Tekoha comercializando brindes corporativos de comunidades excluídas entre outros. No entanto, existem raros exemplos de negócios sociais resolvendo outros problemas sociais não relacionados a geração de renda.

As pessoas e a mídia, que agora está compreendendo melhor o conceito de negócio social, costumam buscar ‘a’ solução para os problemas do mundo. E os negócios sociais trazem uma proposta bastante tentadora: ‘mude o mundo ganhando dinheiro’. No entanto, as pessoas que trabalham nos negócios sociais no Brasil sabem que essa proposta é factível, mas muito desafiadora e longe de estar consolidada. Na Europa e nos Estados Unidos, como o campo de negócios sociais já está mais evoluído, algumas pessoas já apresentam um olhar mais crítico sobre o dogma de que os métodos de mercados podem resolver todos os problemas, inclusive a pobreza. Ainda mais depois de terem passado pela última crise financeira de 2008/09.

Os negócios sociais são uma importante ferramenta para somar aos esforços das organizações da sociedade civil, do governo e dos trabalhos de responsabilidade corporativa das empresas. Eles não são ‘a’ solução, mas sim uma solução inovadora que pode contribuir muito na construção de um mundo melhor.

Este mês escrevi um ‘paper’ sobre a relevância dos negócios sociais para o desenvolvimento social e econômico. Analisando um caso estudado com mais profundidade: a KickStart (organização que comercializa bombas de irrigação para agricultura familiar em países da África). Fica claro que esta organização contribui muito para a redução da pobreza, mas ela não chega até os mais pobres (índice de extrema pobreza definido como 50% da linha da pobreza). Outros casos no Brasil, com menos dados para fazer afirmações, demonstram o mesmo, na maioria das vezes, eles não atingem os indivíduos em pobreza extrema. Isso também ocorre nas microfinanças que visam lucro, como os muito pobres apresentam maior risco, menores empréstimos e menor rentabilidade, as microfinanças que visam um maior retorno sobre seus ativos, costumam focar nos pobres, mas não atingem os muito pobres. Existem exceções como o Grameen Bank e a BRAC em Bangladesh que não visam lucro, mas são negócios sociais e atingem os extremamente pobres.

Se quiser mais detalhes sobre essas análises é só baixar o ‘paper’ em inglês, clicando aqui (após clicar, para fazer o download gratuito - comum - é só aguardar alguns segundos).